Mostra coletiva com curadoria de Marcelo Campos reúne obras icônicas de Tarsila do Amaral, Beatriz Milhazes, Rosana Paulino, Djanira, Efrain Almeida, Heitor dos Prazeres e Dalton Paula, em diálogo com figuras históricas do Vale do Café como Clementina de Jesus, Vovó Maria Joana e Rosinha de Valença
O recém-inaugurado Museu Vassouras abre oficialmente a sua programação artística no dia 6 de dezembro de 2025 com “Chegança”, uma grande exposição coletiva que celebra as tradições populares e as múltiplas vozes do Vale do Café. Com curadoria de Marcelo Campos e assistência curatorial de Thayná Trindade, a mostra mergulha na história do território a partir dos ritos e festejos, trajetos do trem, o rio paraíba e conexões culturais, do jongo, da folia de reis a figuras históricas. Em cartaz até maio de 2026, “Chegança” reúne aproximadamente 130 obras de mais de 60 artistas.
“Chegança nasce como uma confluência de diversas pesquisas que o Museu vem promovendo no Vale desde 2019. A curadoria de Marcelo Campos articula, com sensibilidade e profundidade, a cultura da região — suas festas, folias, quintais, o trem, o rio e todo o conhecimento vivo desse território — em diálogo com um legado histórico social, ecológico e musical que influencia o Brasil inteiro. Reunimos artistas de todas as regiões do país cujas narrativas atravessam e ressoam com o Vale do Café, revelando a força, a diversidade cultural e a importância do intercâmbio entre os interiores do Brasil”, celebra Catarina Duncan, diretora artística do Museu Vassouras. “O conceito da exposição está ligado à ideia de travessia e chegada, à circulação de pessoas, saberes e práticas culturais que formam a identidade do Vale do Café. A exposição é construída como uma travessia em relação à própria região, muito pautada nos diálogos que tivemos sobre a área e nas escutas que fizemos com as comunidades locais”, completa Marcelo Campos.
Entre os destaques está a tela “Figura Só”, de Tarsila do Amaral, de 1930 — uma presença simbólica que, segundo Campos, “estabelece pontes entre o modernismo brasileiro e as tradições que moldaram o imaginário da região”. “Chegança” apresenta ainda artistas de gerações e abordagens distintas — como Aline Motta, Beatriz Milhazes, Rosana Paulino, Djanira, Walter Firmo, Efrain Almeida, Sonia Gomes, Heitor dos Prazeres e Dalton Paula — explorando linguagens que vão da pintura e escultura à fotografia e instalações em vídeo, além de produções de artistas da região e trabalhos comissionados especialmente para o projeto.

“Além das obras de artistas contemporâneos, também comissionamos trabalhos que se aproximam da região, como o quilombo São José, e contemplamos produções indígenas, afro-brasileiras, folias, sambas e rituais populares”, explica o curador.
Após seis anos de reforma, revitalização e restauro, o prédio secular que abriga o Museu Vassouras se transforma em um marco de preservação do patrimônio e revitalização cultural. Há sete anos, o imóvel em ruínas vem sendo convertido em um centro de referência, concebido como um ambiente vivo e inspirador, onde cultura, arte e educação caminham juntas para fortalecer laços na região e gerar impacto social.
“O objetivo do museu é promover a cultura, a educação e o fortalecimento do território. Para alcançar esse objetivo, o engajamento e o pertencimento das comunidades do Vale no espaço são fundamentais“, observa Catarina Duncan, diretora artística do Museu Vassouras.
Os três eixos do percurso expositivo
A exposição se organiza em três núcleos temáticos — Folias, Vapor e Milagre — que formam um roteiro poético e sensorial pelas culturas que brotam da região. O visitante é convidado a atravessar esse território simbólico como quem percorre uma festa ou um cortejo, guiado por cantos, memórias e presenças.
Folias
No eixo Folias, a mostra mergulha nas expressões populares, das folias de reis aos cortejos urbanos, revelando a alegria como gesto de resistência, encantamento e continuidade. É o ponto de partida de “Chegança”, onde o território se anuncia em ritmo e celebração. As festividades atravessam o Vale do Café para encontrar as ruas vivas de Vassouras, os quintais enfeitados e os cortejos que lembram que o tempo da alegria também é tempo de memória.
Obras de Beatriz Milhazes, como “Meu Limão”, e de Djanira, como “Festa do Divino”, dialogam com estandartes, máscaras e bandeiras das folias e escolas de samba locais, criando um campo que pulsa entre o sagrado e o festivo. Fotografias e vídeos de Rodolfo Teixeira, Caio Rosa e Rafa BQueer, assim como as instalações de Lidia Lisboa e Sonia Gomes, reinterpretam insígnias e manifestações rituais, trazendo novas leituras e ampliando o imaginário da tradição.

“No fundo, a região é um verdadeiro berço dessas culturas, das folias de reis aos cortejos urbanos, onde a celebração se mistura à memória e à continuidade das tradições”, destaca Campos.
Vapor
O núcleo Vapor atravessa os antigos trilhos de ferro que conectaram o Vale do Café à Central do Brasil. Ali, o trem encontra o batuque do jongo, reverberando manifestações afrodiaspóricas, trazendo vozes ancestrais e lideranças históricas quilombolas, além de fazer referência aos quintais como nascedouros de rodas de samba e improviso. A seção, com as paredes em tom de marrom — remetendo ao ferro e à ferrugem —, explora diferentes aspectos da travessia cultural na região.
“Aqui a linha do trem e o rio atravessam a região, conectando passado e presente”, resume Campos. “A ferrovia não é apenas trilho de ferro: é costura entre mundos.”
Entre as obras expostas está um conjunto de retratos que convidam o visitante a revisitar personagens emblemáticos da região, como Clementina de Jesus, Mariana Crioula e Manuel Congo — os dois últimos retratados nas obras-primas de Dalton Paula. A galeria reúne ainda a pintura “Colheita”, de Djanira, fotografias de Ziel Karapotó e Walter Firmo (com retratos de Clementina e outras cenas do trem e da música carioca).
“Mais do que apresentar personagens, a exposição reverencia suas trajetórias e suas histórias”, ressalta Campos. “A ideia foi trazer essas vozes e figuras para que fossem vivas, não apenas representadas.”
Em um recorte de trabalhos que tratam das estações, o deslocamento, o trabalho e a formação cultural brasileira são evocados a partir do imaginário ferroviário. As antigas linhas férreas, que conectavam fazendas, cidades e trajetórias, surgem como metáfora de trânsito e transformação. Obras de artistas locais se entrelaçam a pinturas e colagens como as de Gê Viana e Hariel Revignet e a registros fotográficos, como as imagens anônimas de trabalhadores nos trilhos da Central do Brasil, datadas da década de 1950.
Os fundos de quintais também se fazem presentes neste núcleo, em obras que revelam as culturas do cotidiano sobre as culturas do cotidiano — chás, ervas, defumações, rezas e sambas improvisados —, compreendidas como formas de cura, resistência e partilha. O ambiente evoca o aconchego de uma casa, permeado por cheiros e lembranças, onde bonecas de milho produzidas pelo Quilombo São José da Serra dialogam com pinturas históricas do século XIX, como as de Abigail Andrade e Heitor dos Prazeres.
Milagre
Por fim, o núcleo Milagre nasce das águas do Paraíba do Sul — fio vivo que conduz mitos, crenças e ritos do Vale. Entre a aparição de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Vassouras, a lenda do Caboclo d’Água e os peixes como promessa de fartura, o rio revela um território onde fé, natureza e cotidiano se entrelaçam. A noção de milagre se fortalece pela arquitetura do espaço: uma claraboia ilumina a sala como uma anunciação, criando um imaginário quase barroco que envolve visitantes em luz e sombra.
Nesse cenário, a pintura de Jovinho, artista de Pinheiral, uma cidade da região, retrata a aparição da padroeira — tema que também ganha forma em “Nossa Senhora da Conceição”, de Mestre de Angra — ambos evocando a fé como elo entre o sagrado e o cotidiano. Já “Figura só”, de Tarsila do Amaral, e as esculturas de Denilson Baniwa, Chico Tabibuia, Gustavo Caboco e Kandú Puri dialogam com trabalhos de outros artistas, ampliando o encontro entre espiritualidade, natureza e as expressões do território. Instalações de Efrain Almeida (“Uma coisa linda”) e Nádia Taquary (“Puxada de rede”) ampliam o sentido de devoção, enquanto a paisagem sonora do espaço prolonga o imaginário ribeirinho das violas e serestas.
Experiência sensorial e paisagem sonora
Projetada por Gisele de Paula, a expografia propõe uma experiência imersiva e sensorial, onde o visitante é convidado a percorrer espaços marcados por cores, luzes e materiais que remetem às camadas simbólicas da região. Primeira mulher negra a assinar a arquitetura de uma Bienal de São Paulo, a arquiteta conecta história e contemporaneidade, explorando de maneira envolvente o legado cultural, econômico e natural de Vassouras.

Complementando o percurso visual, a paisagem sonora criada pelo premiado produtor musical Alê Siqueira costura os sons do vapor, do trem, do rio e das manifestações populares — folias, serestas, rodas de jongo e improvisos de voz — com cantos de artistas locais e gravações históricas de Clementina de Jesus e Rosinha de Valença. A trilha inclui ainda a participação do rapper indígena Kandú Puri, promovendo o encontro entre tradição e contemporaneidade.
Programa público e material educativo
Durante todo o período da mostra, o Museu Vassouras promoverá ativações mensais com performances, oficinas, rodas de conversa e encontros de folias e jongo, ampliando o diálogo entre artistas e comunidade.
Em paralelo, será lançado um material pedagógico, desenvolvido em parceria com o JA.CA e a Cosmopolíticas Editoriais, voltado para professores e alunos das escolas da região, abordando os temas da exposição a partir de uma perspectiva plural e inclusiva. O material visa fortalecer o vínculo entre o museu e a educação, promovendo a escuta ativa e o pertencimento das comunidades locais.
Um museu para o futuro do Vale do Café
A abertura de “Chegança” marca a inauguração do Museu Vassouras, um espaço pensado para a reconstrução simbólica do território, celebrando diversidade, memória e encontros. O museu se apresenta como um organismo vivo, em diálogo com o presente, que valoriza a arte e a educação como caminhos para o futuro. O projeto propõe que o público se reconheça nas histórias, nas vozes e nas tradições que formam o Vale do Café, ao mesmo tempo em que promove a escuta ativa da comunidade e a participação nos desdobramentos culturais. Com “Chegança”, inaugura-se não apenas uma exposição, mas uma celebração da permanência e da vitalidade cultural da região.
Sobre o Museu de Vassouras
Após seis anos de reforma, revitalização e restauro, o prédio secular que abriga o Museu Vassouras se consolida como um marco na preservação do patrimônio e na valorização cultural do Sul Fluminense. Iniciativa do Instituto Vassouras Cultural, fundado em 2017 por Ronaldo Cezar Coelho, o museu transforma um imóvel histórico, antes hospital e asilo, em um centro cultural de referência, integrando memória, arte e educação. Com 3.331 m², o espaço oferece salas expositivas, pátio, jardins, ambientes multimídia, loja e café, articulando preservação histórica e flexibilidade para atividades culturais, oficinas e encontros comunitários. A instituição celebra a diversidade de vozes do território, promove escuta ativa e diálogo criativo.
A direção artística do Museu Vassouras é conduzida por Catarina Duncan, garantindo que o espaço seja vivo, inclusivo e inspirador para a comunidade e visitantes. A arquitetura e o restauro do prédio foram realizados por Maurício Prochnik, enquanto o projeto de interiores foi desenvolvido por Gabriela de Matos, buscando resgatar elementos originais do edifício e adaptá-lo às demandas contemporâneas de um museu público.
O Memorial Judaico, integrado ao museu, homenageia Benjamin Benatar e Morluf Levy, judeus sepultados no local no século XIX, e oferece um espaço de reflexão sobre memória e tolerância, com curadoria de Ilana Feldman e paisagismo renovado de Roberto Burle Marx.
Construído em 1848, o prédio manteve por décadas uma função social essencial na comunidade, abrigando primeiro o Hospital Nossa Senhora da Conceição (Santa Casa da Misericórdia) e, mais tarde, o Asilo Barão do Amparo. Um dos edifícios mais emblemáticos do centro histórico de Vassouras, símbolo de um território profundamente ligado à história do Brasil, teve sua trajetória interrompida em 2007, quando um incêndio causou grandes danos à estrutura e levou à sua interdição. O Instituto Vassouras Cultural liderou o processo de recuperação e está à frente da gestão do museu.
Além de preservar e difundir a história e a cultura locais, o instituto promove ações de impacto social, como o recrutamento de profissionais de Vassouras e cidades vizinhas para integrar a equipe do museu. Mais do que um espaço expositivo, o Museu Vassouras se propõe a ser um lugar vivo de encontro, diálogo e criação, aproximando comunidades, fortalecendo o turismo cultural e celebrando a pluralidade de vozes que compõem o território.
Serviço
Exposição: Chegança
Abertura: 6 de dezembro de 2025
Período: 6 de dezembro de 2025 a maio de 2026
Local: Museu Vassouras — Rua Barão de Tinguá, 57, Centro, Vassouras Horário de visitação: de quinta a domingo, das 10h às 18h
Direção artística: Catarina Duncan
Coordenação executiva: Rosa Melo
Curadoria: Marcelo Campos
Assistência curatorial: Thayná Trindade
Arquitetura da exposição: Gisele de Paula
Paisagem sonora: Alê Siqueira
Implementação Educativa: JA.CA
Identidade Visual: BiaBum
Realização: Instituto Vassouras Cultural
