Assembleia acontece dia 2: assinatura de contrato sem aprovação do conselho e falsificação de ata estão entre irregularidades encontradas
Uma assembleia convocada pelo Conselho de Administração da Irmandade Santa Casa de Misericórdia pode decidir pela destituição da professora Soraia Setaro da provedoria da instituição, que administra o Hospital Eufrásia Teixeira Leite (HETL) e os bens deixados ao município pela própria benfeitora, morta em 1930. A votação da destituição ou não da provedora é o único ponto da pauta de uma assembleia convocada pelo Conselho de Administração da Irmandade para a tarde da quarta-feira, dia 2 de julho, no Bliss Hotel. A TRIBUNA DO INTERIOR publica o edital de convocação nesta edição. No texto, os irmãos são convocados a “votar pela destituição ou não da atual Provedora Soraia Abineder Setaro de Alcântara de seu cargo, bem como dos demais membros da Mesa Administrativa da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia da Cidade de Vassouras (artigo 59, I, CCB), em razão da prática de atos contrários ao Estatuto da Irmandade, atos estes relatados nas atas do Conselho de Administração da Instituição e disponíveis para a consulta dos irmãos. Sessenta e nove irmãos estão aptos a votar. Para afastar Soraia é preciso que a maioria dos presentes vote pela sua saída. Soraia Setaro ocupa o principal cargo da Irmandade há 14 anos.
Entre as irregularidades encontradas na gestão da Irmandade, constam uma denúncia de falsificação de uma ata de uma reunião do Conselho de Administração que teria permitido a Soraia Setaro nomear um tesoureiro não aprovado pelo próprio conselho. Os irmãos questionam ainda o fato de a Irmandade ter assinado um contrato com uma OS mesmo sem a aprovação do Conselho de Administração. O contrato aluga o Hospital Eufrásia Teixeira Leite a uma Organização Social de Saúde rejeitada no Conselho de Administração. Há ainda denúncias quanto à postura da provedora em uma ação que culminou com a usucapião de um imóvel da Irmandade no Centro Histórico em favor do noivo de Soraia, Hiago Athayde.
A TRIBUNA DO INTERIOR teve acesso a documentos, atas e registros de conversas por aplicativo de mensagens. Um imóvel da Irmandade localizado na Rua Ministro Edgar Costa, no coração do Centro Histórico, é um dos objetos da denúncia contra a provedora. Por décadas ele foi alugado à uma senhora. Após o falecimento da inquilina ele foi alugado por um curto período a uma nova família. Quando o imóvel ficou vago novamente, um processo de usucapião em favor de Hiago Athayde, noivo da provedora, foi movido. O processo culminou com o imóvel sendo negociado por 200 mil reais, uma quantia bem abaixo que o valor de mercado para imóveis na região. Segundo vizinhos, o imóvel passa por uma robusta obra de revitalização e o novo proprietário, Hiago, nunca teria morado na residência. Os irmãos ainda argumentam que não é possível comprovar que os 200 mil reais tenham sido pagos integralmente à instituição.
Em março, o Conselho de Administração se reuniu para analisar um pedido de aluguel do Hospital Eufrásia Teixeira Leite a uma Organização Social de Saúde. O Conselho julgou a proposta inconsistente. A empresa foi apresentada como Instituto Dr Wilson Seidler. Os conselheiros descobriram que este nome não constava vinculado ao CNPJ apresentado. Seidler seria um médico, já falecido. “Não existem referências na internet ao seu nome ligado a nenhum instituto, então achamos estranho. Só encontramos referência à pessoa física. O contrato trazia um telefone de contato que era de pessoa com vínculo público com a Prefeitura de Volta Redonda, o que também levantou questionamentos no Conselho. Na proposta encaminhada pela provedora ao Conselho, não havia qualquer prova da atuação da empresa na área de saúde, assim como também nenhuma prova da capacidade financeira dessa empresa”, resume um conselheiro ouvido pela Tribuna. Uma pesquisa pelo Google Maps e Google Earth fez com que os conselheiros descobrissem que a sede da empresa é uma casa residencial em precário estado de conservação. “E não era informado também como essa OS pretendia atuar para reativar o HETL. Negamos o pedido”, afirma o conselheiro.
A negativa dos conselheiros irritou Soraia. A TRIBUNA DO INTERIOR teve acesso a conversas por aplicativo de mensagens entre a provedora e membros do conselho. Em um dos áudios, os conselheiros são chamados por Soraia de “intransigentes”. Ela afirma, ainda que caso os conselheiros não respondessem a proposta, a mesa administrativa assinaria o contrato. O Conselho Administrativo então negou a proposta. Dias depois, no entanto, os conselheiros foram surpreendidos: pelas redes sociais, a provedora anunciava a cessão do hospital para uma OS, sem informar qual empresa assumiria a gestão do HETL. Segundo o conselheiro ouvido, o Conselho nunca foi notificado a respeito. “Ficava claro ali que não havia mais diálogo entre os dirigentes da instituição”, comenta o conselheiro
Tesoureiro – Em janeiro, Soraia Setaro enviou ao Conselho de Administração um pedido de alteração do tesoureiro da gestão. A última tesoureira havia sido Claudia Eiras e a provedora indicava o nome de Leandro Ribeiro para o cargo. Os conselheiros resolveram condicionar a aprovação do nome a uma sabatina. Leandro deveria comparecer a uma reunião do Conselho e ser entrevistado por seus membros. A reunião nunca aconteceu e a indicação de Soraia não foi aprovada. Mesmo assim, Leandro Ribeiro assumiu a tesouraria da instituição.
Segundo os conselheiros, a Provedoria falsificou a ata da reunião entre eles para construir uma narrativa de aprovação do nome. “A ata falsificada foi registrada em cartório e levada ao Banco para a liberação do uso das contas bancárias. Quando tivemos ciência da fraude, registramos a ocorrência na 95ª Delegacia de Polícia”, informa o conselheiro ouvido pela Tribuna. O Conselho de Administração enviou uma carta à provedora pedindo sua renúncia imediata. “A carta foi ignorada. Soraia ignora seu órgão fiscalizador nos últimos meses, agindo sempre de maneira arbitrária e, até certo ponto, autoritária. O Conselho de Administração, usando de seus poderes constituídos, resolveu convocar oficialmente o Colégio de Irmãos para decidir o futuro da atual provedora e os rumos da Irmandade, outrora tão importante nas áreas de Saúde e Educação de Vassouras”, informa o conselheiro.
O conselheiro lembra que, pelo estatuto da Irmandade, o Conselho de Administração tem papel semelhante à Câmara de Vereadores em um município. “O Conselho é a Câmara e o provedor, o prefeito. Cabe ao provedor gerir os bens da irmandade e cumprir o testamento de Eufrásia Teixeira Leite”, explica o membro do Conselho.