09:52 - 23 de outubro de 2025.

Missão cumprida, conterrâneo

Missão cumprida, conterrâneo

 em Brasil

Vassourense Luís Roberto Barroso se despede do STF, ponto culminante da carreira de um dos mais brilhantes juristas brasileiros de sua geração

 

O ministro Luís Roberto Barroso anunciou na quinta-feira, dia 9, com um discurso marcado pela emoção, a sua despedida, aos 67 anos, do Supremo Tribunal Federal. Durante cerca de quinze minutos da sessão plenária do STF, o jurista vassourense citou a infância na terra natal, destacou a importância da educação pública em sua vida, além de reafirmar o compromisso com o país e a defesa da democracia. “Nasci em Vassouras, uma admirável cidade do interior, em uma família simples, sem parentes importantes. Fiz o primário e o ginasial em escolas públicas. Estudei em uma maravilhosa universidade pública. Devo quase tudo aos professores que tive. O Brasil me deu tudo o que tenho. Muito além do que sonhei quando tudo começou”.

 

Durante pouco mais de 12 anos e três meses Luís Roberto Barroso foi ministro do STF, que chegou a presidir entre 2023 e 2025 – ele ocupava o cargo quando esteve em Vassouras pela última vez como ministro, na entrega da reforma do antigo Asilo Barão do Amparo, hoje Museu de Vassouras, menos de dois meses atrás. Ele ainda presidiu o Tribunal Superior Eleitoral entre 2020 e 2022.

 

Graduado em Direito pela Uerj em 1980, mestre pela Universidade Yale e Doutor pela Uerj, Barroso é professor titular de Direito Constitucional e livre docente na Uerj, além de lecionar na Universidade de Brasília. Chegou ao STF, em 2013, graças a uma carreira brilhante como jurista. Por anos, sua banca de advocacia foi considerada uma das mais importantes do país. Ainda como advogado, destacou-se em grandes debates no próprio Supremo Tribunal Federal. Como na defesa das pesquisas com células-tronco embrionárias, defesa da equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis tradicionais e defesa da proibição do nepotismo no Poder Judiciário.

 

No STF, Barroso declarou que sempre agiu em nome de um “país maior e melhor”, defendendo a Justiça, a Constituição e a democracia, como forma de retribuir ao país as oportunidades que teve.  Durante o discurso, Barroso afirmou que é hora de seguir outros rumos.  “Nem os tenho bem definidos, mas quero viver um pouco mais da vida que me resta, sem a exposição pública, obrigações e exigências do cargo”.

 

Durante o discurso, o ministro lembrou que, durante sua passagem pelo STF, enfrentou e superou dificuldades e perdas pessoais. “Nada disso me afastou da missão”. Entre as perdas, com certeza está a morte da mulher, a empresária Tereza Cristina Van Brussel Barroso, vítima de um câncer, em janeiro de 2023. Em outro momento do discurso, o ministro revelou que avisou ao presidente Lula, dois anos atrás, que poderia se afastar do STF em dois anos.

 

O ex-presidente do STF citou, direta e indiretamente, a luta institucional em defesa da democracia durante os últimos anos no país. “O radicalismo é inimigo da verdade”, afirmou em certo momento. Em outro, reafirmou a crença de que o STF seguirá sendo o “guardião da Constituição”. Refletindo sobre o país, que classifico de “formidável e complexo”, Barroso afirmou que por mais que não tenhamos vencido nossas maiores chagas, “a pobreza e a desigualdade”, vale a citação a Pablo Neruda. “Se mil vezes tivesse que nascer, mil vezes gostaria de nascer aqui. Quero morrer aqui, mas não agora”, afirmou, arrancando risos do plenário.

 

Luís Roberto Barroso destacou a importância do jornalismo profissional, em tempos da banalização da mentira, do discurso de ódio e o vale tudo das redes sociais. “Nunca precisamos tanto da imprensa. Mentir precisa voltar a ser errado de novo”. Ele citou nominalmente cada um dos colegas de corte e agradeceu a nomeação “republicana” da presidenta Dilma Roussef, que “nunca pediu, insinuou ou cobrou” qualquer voto no plenário do STF.

 

“Deixo o Supremo com o coração apertado e o coração tranquilo. Não carrego tristeza, mágoa e ressentimento. Se preciso fosse, começaria tudo outra vez”, afirmou, desta vez citando Gonzaguinha.

 

No futuro, quando os livros de História tratarem do conturbado período vivido pelo país nos últimos anos, o advogado brilhante que cresceu nas ruas de Vassouras terá um lugar de destaque. Ele entrará para a história como presidente de um STF que não faltou ao país. Bem diferente da tradição do Judiciário brasileiro de abençoar e ou se omitir das quarteladas que marcam a vida política do país desde a Proclamação da República, em 1889, o Supremo presidido por Barroso julgou e condenou um presidente declaradamente adepto do golpismo e seus aloprados aliados. Em um país que ainda convive com setores significativos da sociedade que apoiam abertamente golpe militar, tortura e outras características dos execráveis anos de chumbo, o lugar que a História reservará a Barroso pode parecer duvidoso. O tempo se encarregará de pôr as coisas em seus devidos lugares.

 

“Apesar da agressividade e da intolerância que se vê ainda aqui e acolá, reafirmo a fé na boa vontade, no respeito e na gentileza”, profetizou o agora ex-ministro. Missão cumprida, conterrâneo. A história lhe fará justiça, por mais que uns e outros não tenham (ainda) se dado conta disso.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Veja também