09:46 - 11 de dezembro de 2025.

‘Vassouras é uma cidade muito querida. Sou muito f...

‘Vassouras é uma cidade muito querida. Sou muito feliz aqui’, diz padre Zé Antônio

 em Vassouras

Em entrevista exclusiva à TRIBUNA, padre com mais tempo na cidade em quase 200 anos de catolicismo fala sobre a sua trajetória na cidade  

 

Mineiro de Rio Preto, 54 anos com os cabelos pretos e a aparência de pelo menos uma década a menos, o padre José Antônio da Silva recebeu a reportagem da TRIBUNA DO INTERIOR na Casa Paroquial, na Praça Sebastião de Lacerda, nos fundos da Matriz de Nossa Senhora da Conceição a três dias do Dia da Padroeira. A pauta indicava uma conversa sobre a trajetória do líder religioso que este ano completou 26 anos de Igreja e de paróquia. José Antônio chegou a Vassouras ainda no século passado, em agosto de 1999. Em outubro foi ordenado em Conservatória e regressou a Vassouras, onde atua até hoje. No meio da conversa, ele nos faz uma revelação: desde agosto ele é o padre mais longevo da história de Vassouras. Nenhum padre, nos quase 200 anos de catolicismo em Vassouras, liderou o rebanho mais tempo que ele. “Até o ano passado eu estava empatando com alguém, mas agora já sou o mais longevo. Estou há vinte e seis anos, não é muito comum”, afirmou.

Na conversa em que ele reafirma o compromisso com a Igreja, ele também declara o seu amor pela cidade. “Vassouras é uma cidade muito querida. Gosto. Sou muito feliz aqui. Disse ao bispo. É claro que estou aberto para ir para qualquer lugar que a diocese precisar, mas estou feliz aonde estou”. Em 1999, José Antônio veio para Vassouras auxiliar o então pároco Pedro Higino, que chegara de Paraíba do Sul três anos antes. “Eu estava em Sapucaia, ainda como estudante, e recebi uma ligação de Dom Elias, o bispo. Ele me disse para escolher uma paróquia. Poderia ir para Miguel Pereira, Três Rios ou Vassouras. Disse a ele que aprendera com um padre que não se escolhe uma paróquia, que aceitaria a missão onde a Igreja precisasse de mim”.

Dom Elias ainda lhe disse que Vassouras era a paróquia mais desafiadora para o novo vigário. Os católicos da cidade assistiam a um embate entre irmãos da Irmandade Nossa Senhora da Conceição que levara o bispo a nomear os padres Mauricie Perron e, mais tarde, Pedro Higino, como interventores. A Irmandade é a instituição mais antiga da cidade, anterior até mesmo à criação do município, e administra o prédio da Igreja e o cemitério de Nossa Senhora da Conceição. Entre 1999 e 2002, Padre José Antônio atuou como auxiliar de Padre Pedro. Em 2002 ele assumiu os rumos da Igreja no município. Foi o responsável pela distensão na Irmandade. Com o tempo, o estatuto foi reformado e a entidade, pacificada. Hoje, com novo estatuto, a instituição tem o padre como provedor e aceita em seus quadros fiéis de outras religiões. “Superamos essa tensão, não ficava bem essa briga entre irmãos”, comenta.

A pacificação da Irmandade e o crescente apoio ao trabalho dos leigos talvez sejam os principais marcos da gestão de José Antônio em Vassouras. Na entrevista à TRIBUNA DO INTERIOR, José Antônio fala um pouco da sua trajetória na Igreja, no desafio que é conduzir uma instituição milenar em tempos digitais e de uma sociedade polarizada. Ele aproveita ainda para falar de Raízes da Fé, o trabalho que ele conduziu ao lado de historiadores e pesquisadores para tratar dos quase 200 anos da chegada do catolicismo em Vassouras.

 

1999, o início de tudo

Como seminarista, a cada dois anos você precisa estagiar em uma paróquia da diocese. Estive em Conservatória, Santa Isabel do Rio Preto, Catedral de Valença e depois fui transferido para Sapucaia. Um certo dia, o bispo me ligou, em julho de 1999. A sua ordenação está marcada para outubro, eu vou precisar de você. Você pode ir para Três Rios, Miguel Pereira ou Vassouras. Onde tem maior necessidade? Vassouras é mais desafiadora. Eu aprendi que não devemos escolher paróquia, a gente tem de estar a serviço da Igreja. Eu não vou escolher, o senhor percebe onde tem mais necessidade e me envia, eu irei com alegria. Agosto de 1999, fiquei ajudando o padre Pedro Higino. Outubro, ordenação em Conservatória. Fui ordenado lá porque a comunidade já preparava a minha ordenação, fiquei muito tempo lá. Voltei para Vassouras. Cheguei aqui com 28 anos. O padre Pedro, que faleceu há quase dois anos, sucedeu o padre Paulo Cezar, em 1996. Até 2002, fui vigário-paroquial. Em 2002, padre Pedro foi para os Estados Unidos, realizar um trabalho com os brasileiros. Ele resolveu ficar por lá e eu assumi a paróquia.

 

Intervenção na Irmandade

A gente teve uma situação delicada com a Irmandade. A Irmandade, que administra a Igreja e o Cemitério, tinha uma cisão, muitas brigas.  Na eleição de uma mesa administrativa não se chegou a um acordo. O bispo resolveu fazer a intervenção ainda no tempo do Padre Mauricie. Depois o padre Pedro assumiu como interventor. Quando assumi a paróquia, fui nomeado interventor. Fomos reformando os estatutos. Fizemos várias reuniões, assembleias. Suspendemos a intervenção, hoje temos uma mesa administrativa, conselho fiscal que não havia. Atualizamos o estatuto. Hoje, a Irmandade não é aberta só a católicos. Pelo estatuto, o provedor vai ser sempre o pároco em exercício. Hoje, temos como vice-provedor o Defensor Público Federal José Roberto Tambasco, o professor Gabriel Rezende como secretário e a advogada Sílvia Freire como tesoureira. A Irmandade está pacificada e em pleno funcionamento. Superamos essa tensão, não ficava bem essa briga entre irmãos.

 

Atuação dos leigos

Valorizar a atuação dos leigos. Não é o padre que tem que resolver tudo. Conselho comunitário em cada comunidade. Esse conselho se reúne e vai resolvendo os problemas que vão acontecendo na comunidade. Cada comunidade tem a sua estrutura, tem a sua contabilidade própria, a sua autonomia financeira. Claro que a gente pode entrar, como um curinga, para facilitar o diálogo. E existe uma solidariedade entre as comunidades. Por exemplo, acabamos de fazer três, quatro lojas no Mello Afonso, eles não tinham o recurso necessário para terminar as obras. Então, outra comunidade emprestou, para poder terminar logo a obra. E eles vão devolvendo aos poucos. Então, existe essa solidariedade entre as comunidades e a co-responsabilidade também dos fiés na missão da Igreja.

 

Renovação na Igreja

Nos próprios conselhos, a gente já trabalha esta renovação. Nunca vamos descartar os mais experientes, os mais idosos, mas a gente sempre pede que tenha jovens nos conselhos. A gente valoriza a atuação dos jovens. Por exemplo, para atuar com contabilidade, com tecnologia. Os idosos, com o tempo, vão ficando limitados, vem o óbito. Temos de preparar as novas gerações para continuar este trabalho. São os filhos, netos, bisnetos, que têm de dar esta continuidade.

Vamos ter indicação para ministro de eucaristia, quero também um percentual destes ministros que seja jovem. Temos um trabalho intenso com a Pastoral da Juventude. Grupos de jovens e hoje nem temos como ter aqueles grupos de jovens que tínhamos 30, 40 anos atrás, uma pastoral que reunia toda semana. Hoje a gente utiliza da tecnologia para fazer reunião com os jovens e também alguns momentos de evangelização. Eventos, retiros, cristoteca, tarde de louvor, caminhadas, sensibilidade ecológica. Mutirão.

Os jovens fizeram dois mutirões de missão, na comunidade que as pessoas chamam de Toca dos Leões. Eu não gosto do nome, acho desagradável. Foram lá, visitaram as famílias, houve uma celebração com eles. As pessoas vão expondo as necessidades e a gente vai dando uma assistência para as famílias que mais precisam. Tentando resolver, pressionando o poder público para que atue. Encontramos uma casa com quatro moradores e uma renda de 400 reais. Estamos vendo com o poder público se há possibilidade de bolsa família, uma assistência do estado.

 

Tecnologia

A tecnologia chegou e como diz aquele grande teórico da Comunicação Marshall Mcluhan, o mundo virou uma verdadeira aldeia global. O que acontece em qualquer lugar do mundo, você pode acompanhar simultaneamente. Nós não podemos ficar de fora disso. Usar com critério, senso crítico, mas aproveitar o que é bom. Trinta anos atrás, a contabilidade era toda no papel. Hoje, um programa de computador centraliza toda a contabilidade, eu não preciso ficar arquivando papel, tirando três, quatro cópias…Antigamente, você ia ao banco para tirar um extrato, hoje você administra isso no aplicativo do celular.

Os jovens abraçaram a pastoral da Comunicação. Com o isolamento na pandemia, tivemos que nos reinventar para chegar até as pessoas. Então, eu fazia uma missa com três, quatro pessoas na Igreja, mas usava as redes sociais para que as pessoas pudessem acompanhar. Hoje tem muito canal de TV transmitindo as missas, mas as pessoas queriam uma missa com o padre daqui, com os temas daqui. Eu tive de aprender a lidar com isso. E esse uso das redes sociais continuou depois da pandemia. Transmitimos pelo instagram, pelo Facebook e pela Decola TV, fizemos uma parceria com o Thiago para transmitir no Youtube, e hoje a gente chega até a outros países.

 

História

Tenho comigo um princípio. A Igreja não começa comigo e não termina comigo. A gente tem um antes, tem o hoje e o depois. Dentro da Igreja temos isso muito tranquilo. É diferente de um governo. Cada padre tem o seu jeito de atuar, mas o plano não é do padre, é da diocese. Então, pode mudar o padre que o plano não muda, o plano segue.

Temos uma cidade muito focada nos barões, mas não podemos nos esquecer dos nossos antepassados. Essa cidade chegou a ter mais de 70 % da população de escravizados. A Matriz foi construída por mão de obra escrava. Temos a Igreja do Rosário. Precisamos resgatar os nossos antepassados, o legado deixado para nós. Com todas as deficiências do seu tempo, deixaram verdadeiras obras de arte. Idealizados pelos barões, mas tivemos aqueles que trabalharam. Não podemos incensar os barões sem nos lembrar dos escravizados, do povo.

 

Raízes da Fé, resgate dos 200 anos do catolicismo em Vassouras

Entre outros temas, o livro conta a história de todas as comunidades dentro do município de Vassouras. Quando começou, quais os desafios, as histórias do padroeiro. A memória hoje é visual, com o advento da tecnologia é tudo muito líquido, como aponta Sigmund Baumann. A minha preocupação é que daqui 20 anos ninguém se lembre mais quando surgiu a Matriz, as datas, as histórias. Então precisamos de base, de fontes para que essas novas gerações tenham acesso, e para servir de fonte até para pesquisadores.

Tratamos dos padres salvatorianos, que ficaram mais de 60 anos em Vassouras (um deles foi Salésio Schimidt). Vamos ter um segundo livro para falar sobre Manoel Congo, o Cemitério… Valorizamos escritores locais.  Um aluno de arquitetura da Rural fez um trabalho belíssimo sobre a estrutura arquitetônica da igreja de Ferreiros. É um capítulo do livro. Um menino que fez o curso de restauro aqui e fez um grande estudo sobre a arte tumular. Então, ele estudou o Cemitério, que é um museu a céu aberto. Um trabalho bonito, está no livro.  A  Isabel Rocha conta a história da Asepava, da casa, da rua. Daqui a vinte anos será que vão se lembrar da Asepava?

 

Nota da Redação: A TRIBUNA trará uma matéria sobre o livro em sua próxima edição.

 

A devoção do vassourense

A população de Vassouras tem uma história muito próxima de Minas Gerais.  Começou (o município) em Paty, não deu muito certo, vieram para Sacra e depois Vassouras. Deve ter sido o mesmo grupo e não abriram mão da padroeira. Isso antes da proclamação do dogma da Imaculada Conceição, que só aconteceu em 1858. E esse movimento parte dos fiéis, não da estrutura da Igreja. Não foi a Igreja que incentivou a história de Nossa Senhora Aparecida, foram três humildes pescadores que encontraram a imagem nas águas do Rio Paraíba do Sul. A devoção a Maria, nasce com o amor, a devoção  do povo.

A devoção nasce do povo, e vai depender da época, do tempo histórico. Tem fases que surge uma espiritualidade, em outro momento nasce outra. Já tivemos as cruzadinhas, os movimentos de filhos de Maria, é muito cíclico, sazonal. Você tem a padroeira da cidade, mas eu acho que a santa do povo de Vassouras é Santa Rita de Cássia. Talvez por ser a santa das causas impossíveis.

Mas há uma grande devoção mariana que está sendo resgatada.

 

Vassouras

Vassouras é uma cidade muito querida. Gosto. Sou muito feliz aqui. Estou há vinte e seis anos, não é muito comum. Na história da Paróquia, em 200 anos, eu sou o padre que mais tempo ficou. Até o ano passado eu estava empatando com alguém, não lembro o nome do padre, mas agora já sou o mais longevo da história. Estou feliz aqui. Disse ao bispo. É claro que estou aberto para ir para qualquer lugar que a diocese precisar, mas estou feliz aonde estou. Conflito sempre vai existir, mas a gente vai procurar solucionar. Se você agrada todo mundo, não está fazendo a vontade de Deus. Isso faz parte da vida. Sou muito feliz porque conto com a coparticipação dos fiéis, eles são muito responsáveis. Eu vou a reuniões de conselhos de outras cidades, muitas vezes é uma luta para os conselheiros participarem. Quando eu trabalhava na universidade, as vezes reunião, mesmo no horário de trabalho, tinha um índice grande de evasão. Aqui eu realizo reunião dos conselhos com um alto índice de participação, e todos são voluntários.

 

Polarização

Hoje a Igreja é como a sociedade: ela tem vários cenários. Não temos um único rosto. E você tem de saber, a gente não pode ficar preso a uma visão. Você tem de ter capacidade, senso crítico, discernimento. Saber dialogar, chegar a um consenso. Eu não posso pensar que todo mundo tem de pensar como eu penso, votar como eu voto. O voto é uma decisão pessoal. A gente não orienta o voto. Infelizmente a gente tem esta polarização. É tudo ou nada. Mas tem de haver o caminho do meio. Tudo que é demais, faz mal, adoece. Temos pessoas adoecidas, não conseguem ver nada além do seu ponto de vista. Tem muita mentira na internet, as pessoas se emocionam com as imagens, muitos não têm senso crítico, não têm capacidade de ir a fonte para descobrir que aquilo não é verdade…Uma vez, desci a praça, fui tomar café com a Zezé e tinha um movimento de pessoas, me cumprimentaram, eu fui lá e os cumprimentei. Alguém fotografou e gravou um áudio, espalhou esse áudio, destilando veneno contra o padre. Fiz uma nota, não dei bola para aquilo. Eu atendo. Se eu estiver passando na rua e Bolsonaro me cumprimentar, vou falar com ele. Com Lula a mesma coisa. Falo com todo mundo. Isso é o mínimo de educação. Vou dizer bom dia a todo mundo, independente se é católico ou não. Eu não tenho problemas com as igrejas. Seja com os espíritas, com a Maçonaria, com os evangélicos, não tenho dificuldades nenhuma. Somos irmãos, professamos fé diferente, mas somos irmãos. Tem gente que acha que só determinada igreja salva mas não, somos todos irmãos!

 

Padres anteriores

A história do Monsenhor Rios é impressionante. Ficou vinte anos em Bananal, ninguém sabe quem é. Passou cinco anos em Vassouras é um grande fenômeno. Desde o seu sepultamento até hoje pessoas vão ao seu túmulo e graças são alcançadas por intercessão dele. Vamos lançar um livro sobre ele, resgatar essa história. Tem os salvatorianos, o padre Paulo Cezar. Mas o que me marcou profundamente foi o padre Argemiro, ele foi meu formador. Foi um dos padres que me acolheu no seminário, padre Argemiro Brochado Neves.

 

Nossa Senhora da Conceição

Nós somos chamados a olhar para Maria, aquela do Evangelho. Não importa o título. Conceição, Aparecida, Das Dores, Do Bom Parto…Me chama muita atenção Maria, aquela que escuta Deus, através do anjo. Maria que faz o discernimento, não toma decisão precipitada. A vida não é fácil. Maria foi chamada para ser a mãe do Filho de Deus e ficou perturbada. Como é que isso vai acontecer, se eu não conheço homem algum? Mas ela rezou, ela discerniu e disse sim. “Eis aqui a serva do Senhor”. Ela não se envaideceu quando soube que seria a mãe do Salvador. Ela sabia que sua prima Isabel estava grávida. Então, ela caminhou mais de 500 quilômetros. E naquele tempo não tinha avião, não tinha carro confortável. Ela foi no lombo do camelo dias e dias para ficar lá ajudando a sua prima Isabel. Ela se coloca a serviço. Então, Maria nos ensina a escuta da palavra, a dimensão do serviço. A nossa vida só faz sentido quando somos servidores. Perceber a necessidade e ir ao encontro. Isabel não ligou, não mandou fax. Que a gente tenha hoje a sensibilidade de perceber a necessidade das pessoas e ir ao encontro dela. Você pode ter certeza que as pessoas que mais precisam não pedem. Outra coisa que me chama a atenção é o casamento que ela foi convidada, todos preocupados com ela, havia acabado o vinho. E ela aponta Jesus. A verdadeira devoção por Nossa Senhora não é uma devoção que fica presa a Nossa Senhora. Ela nos aponta para Jesus, que é o único Senhor, o único Salvador. Maria nos aponta para Jesus. Então que a nossa devoção por Nossa Senhora nos ajude nisso: na escuta da palavra, na dimensão do serviço e que a devoção a ela nos leve para Jesus.

 

 

foto: arquivo Casa Paroquial

 

 

 

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