Aos 81 anos, ex-vereadora lembra sua atuação parlamentar nos anos 1970 e 80
Enquanto Vassouras se prepara para, pela primeira vez, ter uma mulher no comando do município que completou 167 anos em setembro, Ivone Mayr Guedes caminha, com a dificuldade natural de quem já completou 81 anos, pelas ruas da cidade. Se mora em Vassouras, muito provavelmente o leitor já deve ter cruzado o caminho desta senhora, na fila do banco, na padaria ou em algum supermercado, sem se dar conta de que esta viúva, ex-servidora da Prefeitura, é uma das pioneiras da participação feminina na política vassourense.
Pela extinta Aliança Renovadora Nacional, a Arena, partido de sustentação da ditadura militar que governou o país entre 1964 e 1985, Ivone Mayr Guedes foi apenas a segunda mulher a se eleger para a Câmara de Vereadores, em 1976. Em 1982, na mesma eleição em que Narciso da Silva Dias se elegia para o seu segundo mandato como prefeito, Ivone conseguia a sua reeleição. Com os dois mandatos, ela atuou por dez anos como parlamentar. Em 1988, Ivone, que se aproximara do PDT durante a gestão do ex-governador Leonel Brizola, se candidatou a vice-prefeita na chapa pedetista, que teve o também vereador Wallace Tadeu como candidato a prefeito.
Antes da carreira política, Ivone foi servidora pública. Atuou por uma década na Prefeitura. Trabalhou na Secretaria de Educação antes de ser cedida à Justiça Eleitoral. Foi o carioca Wílson Guedes Pinto quem convenceu Ivone a disputar a eleição. Auditor da Companhia Siderúrgica Nacional, Wílson conheceu Ivone quando se mudou para Vassouras. Da união com Wílson, Ivone Mayr ganhou o filho único, Vinícius, que hoje mora em Brasília e lhe deu três netos, o mais velho com 35 anos.
No período em que Ivone militou na política, Wílson também teve destaque. Foi um importante colaborador da campanha pedetista em 1988 e chegou a ocupar a Secretaria de Turismo do município. Foi dele a ideia, que hoje pode parecer óbvia, de se realizar um baile popular de carnaval no centro da cidade. Nos anos 1980 a folia acontecia nos clubes, principalmente no Fluminense Futebol Clube e na Sociedade Municipal Recreio Vassourense. Muita gente ficava de fora da folia. Em reconhecimento ao trabalho de Wílson, o município batizou o trecho da Avenida Expedicionário Osvaldo de Almeida Ramos onde realiza os bailes de Espaço Wílson Guedes Pinto. A maior mágoa de Ivone com a política tem a ver com o espaço, logo apelidado pelos vassourenses de “Poeirão”. “O Espaço Wílson Guedes Pinto foi criado oficialmente, teve decreto inclusive. Na administração do prefeito Eurico Júnior, a placa foi retirada”, queixa-se Ivone.
O Espaço não surgiu por acaso. O casal Ivone e Wílson foi sempre apaixonado pelo samba. Ivone herdou do marido o amor – e a relação próxima – com a Unidos de Vila Isabel. Eles eram frequentadores assíduos dos ensaios e, com isso, trouxeram muitos sambistas da Vila de Noel e Martinho para o carnaval de Vassouras. Por outro lado, muita gente boa de Vassouras conheceu a Vila por intermédio do casal. Como Ronaldo Pudim, um dos mais festejados sambistas vassourenses nos anos 1980 e 1990.
Na época, eram famosos os angus a baiana, dobradinhas e macarronadas servidas por Ivone a sambistas que vinham se apresentar na cidade. Eram outros tempos e bandas inteiras que se apresentavam no Espaço Wílson Guedes foram hospedadas na casa do casal.
Dos mandatos na Câmara, Ivone tem boas recordações. Na tribuna livre, lembra-se bem dos embates com dois vereadores da época, Jayr Pardal e Francisco Sertório, ambos já falecidos. Ela tem orgulho de ter reivindicado a construção da capela mortuária do Divino Salvador, onde até hoje os vassourenses são velados. Antes, os velórios aconteciam em casa. A capela foi construída no primeiro mandato do prefeito Pedro Ivo da Costa, no final dos anos 1970.
Ela se destacou também como uma fervorosa defensora da manutenção das estradas vicinais do município. Naqueles anos, raras eram as estradas pavimentadas, e o vassourense dependia muito desta manutenção para poder exercer o direito de ir e vir entre bairros, distritos e municípios vizinhos. A BR 393 também era uma preocupação da vereadora, que lutou muito pela sua recuperação e por dar mais segurança aos moradores de Vassouras, em especial do Grecco, no trecho da rodovia que passa pelo bairro. “Nossa luta era por uma passagem subterrânea que ligasse o bairro à rodovia e ao Alto do Rio Bonito, que era a entrada principal do município. Não conseguimos, mas a passarela começa a surgir com esta luta”, lembra Ivone, citando a passarela que hoje garante a segurança de moradores do Grecco na hora de cruzar a rodovia. Ela também foi importante para garantir a implantação da Escola Estadual (hoje municipalizada) José Carlos Vaz de Miranda em Barão de Vassouras.
Hoje, com o apoio de uma cuidadora, Ivone mora sozinha no Centro da cidade. Lúcida, bom papo, segue atenta às notícias da política da cidade. Mas não toma partido faz anos. Nas eleições municipais de outubro, por exemplo, não declarou apoio a nenhum dos candidatos. Torcedora do Fluminense, passa os dias com amigos e parentes, sem deixar de andar pelas ruas do Centro seja para realizar pequenas compras, tomar um café na padaria ou resolver alguma coisa no banco. Quando cruzar com ela no espaço público, o leitor já sabe: ali vai uma vassourense que por 10 anos desempenhou o raro papel de representar as mulheres na machista vida pública do município que se aproxima dos 170 anos.