Avaliação é do cientista político Gabriel Rezende em novo livro, “A ascensão do populismo de direita no Brasil”
A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro não deve significar uma solução para a crise política, mas sim um marco de intensificação da polarização entre direita e esquerda no Brasil. A avaliação é de Gabriel Rezende, doutor em Ciência Política pela PUC-Rio e autor do recém-lançado A ascensão do populismo de direita no Brasil (Editora Appris).
“No curto prazo, a direita radicalizada pode ganhar energia política: martírios mobilizam simpatizantes, aumentam o recrutamento para protestos e reforçam narrativas de ‘guerra política’. No médio prazo, no entanto, se as instituições resistirem de forma legítima, a esquerda e o centro podem ganhar legitimidade e consolidar o Estado de Direito”, explica Rezende. O autor ressalta que o julgamento também tende a acirrar a disputa no Congresso. “Após a decisão da Primeira Turma do STF, a articulação pró-anistia deve intensificar esforços legislativos e de rua, enquanto o Executivo e setores progressistas tentarão conter esses avanços”, analisa.
No livro, Rezende examina as origens e os fatores que permitiram a ascensão do populismo de direita no Brasil entre 2016 e 2022. Entre eles, aponta a baixa institucionalização partidária, a desigualdade social, o voto personalista, além de eventos como as Jornadas de 2013, a Operação Lava Jato e o impeachment de 2016. “Com o colapso do presidencialismo de coalizão clássico e a ruptura da polarização tradicional entre PT e PSDB, abriu-se espaço para uma direita populista com alta resiliência. É uma força que depende tanto da conjuntura econômica quanto das respostas institucionais”, afirma.
Apesar do cenário de radicalização, Rezende vê espaço para a recomposição do centro político no Brasil, desde que partidos consigam oferecer governança eficaz e políticas sociais consistentes. O cientista político também defende que a reconstrução do diálogo democrático exige o fortalecimento de canais de representação intermediária — como partidos, sindicatos, associações e igrejas — e a criação de práticas deliberativas que reduzam a lógica do confronto permanente. “O espaço para o diálogo existe, mas não é espontâneo. Ele precisa ser cultivado por atores públicos e pela sociedade civil fortalecida”, diz.
A ascensão do populismo de direita no Brasil investiga como o bolsonarismo se consolidou como movimento político, articulando fatores nacionais e internacionais em um contexto que o autor identifica como uma “quarta onda” do populismo contemporâneo. A obra oferece um diagnóstico político-institucional sobre os riscos e desafios desse fenômeno para a democracia constitucional brasileira.
Em sua análise, Rezende avalia se o populismo de direita é passageiro ou veio para ficar no Brasil. O livro inclina-se para a ideia de que há fatores estruturais que tornam o fenômeno duradouro — como a transformação da base social da direita, a baixa institucionalização partidária e as redes sociais como ambiente organizativo. Ao mesmo tempo, o autor ressalva sua plasticidade: o populismo pode perder força se instituições recuperarem confiança, se houver melhoria socioeconômica ou se a própria coalizão populista se fragmentar. Trata-se, portanto, de uma força política com alta resiliência, sujeita a variações conforme as respostas institucionais e as conjunturas econômicas.
Rezende também analisa o protagonismo crescente do Supremo Tribunal Federal (STF) e se esse movimento representa ruptura ou adaptação da democracia brasileira. Para ele, o diagnóstico é ambíguo: o STF assumiu protagonismo porque, em diversos momentos, Legislativo e Executivo não conseguiram conter iniciativas que colocavam em risco os fundamentos do regime democrático. Assim, parte desse papel pode ser visto como uma resposta às demandas apresentadas à Corte, em que o Judiciário atuou como “guardião” constitucional diante de um vácuo de contenção política. No entanto, essa judicialização traz riscos: ao decidir conflitos que idealmente deveriam ser resolvidos em arenas representativas, o tribunal gera percepções de ativismo e erosão de legitimidade em certos segmentos da sociedade, o que pode retroalimentar crises. “É uma responsividade com custos, necessária em determinados momentos, mas politicamente arriscada se tornar padrão permanente de resolução de impasses”, pondera o autor.
Sobre o autor: Doutor em Ciências Sociais/ Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Mestre em Sociologia Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). É bacharel em Relações Internacionais, professor universitário e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Federalismo, Política e Desenvolvimento (NUFEPD) da PUC-Rio/CNPq.